Crime
Dor sem hora para acabar
Libertada de um apartamento onde era submetida
a abusos e tortura, Lucélia virou ícone da luta contra a violência infantil mas continua sem uma família
Lucélia Rodrigues da Silva, 13 anos, mostra quatro
buracos talhados com alicate nas laterais da língua, aperta as mãos suadas pelo
nervosismo e fala sobre a marca do ferro de passar eternizada nas nádegas. A
platéia de operários silencia. Um homem de macacão azul pergunta à menina sobre
o futuro. A tutora da garota pega o microfone, conta que uma pop star gospel
ficou comovida com o martírio da criança e revela
que a empresária da artista vai adotá-la. Lucélia ri. Foi seu único
sorriso na manhã da terça-feira 21 de outubro diante de um auditório apinhado de
curiosos, na sede da fábrica de rosquinhas Mabel, em Aparecida de Goiânia. A
firma é uma das maiores produtoras de biscoito do país. Tem 2 500 funcionários,
fabrica toneladas de biscoito por dia e pertence ao deputado federal Sandro
Mabel (PR-GO), o mesmo que há três anos freqüentou o noticiário durante o
escândalo do mensalão. A menina desconhece o passado do político. O político
conhece o passado da menina. Enquanto Mabel se desdobrava para driblar as
acusações de mensaleiro, Lucélia era brutalizada pelas mãos de uma empresária a
quem sua mãe biológica a entregara em troca de algumas cestas básicas. Durante
horas, ela respondeu às perguntas da platéia, revivendo os piores momentos de
seu martírio. O que Lucélia fazia numa fábrica de biscoitos?
"Trouxe a garota para ela dar uma arejada", explica a
pedagoga Maria Cecília Machado, diretora do Centro de Valorização da Mulher
(Cevam), mistura de pronto-socorro e esconderijo de vítimas de violência. Em
março passado, a polícia libertou Lucélia de uma masmorra doméstica. Sílvia
Calabresi Lima, a empresária que prometera encher a criança de amor, carinho e
mimos, encheu o corpo de Lucélia de hematomas. Durante quinze meses, a
empresária arrancou as unhas da menina no batente das portas, socou seus dentes,
obrigou-a a comer baratas, ração e fezes de cachorro. "Ela dizia que era o meu
remedinho e que era para eu tomar porque o diabo morava em mim", lembra a
garota, encontrada pela polícia amordaçada e amarrada no teto de um cubículo.
Sílvia está presa. Lucélia saiu do cativeiro para as páginas dos jornais,
sensibilizou o país e virou uma espécie de celebridade – um ícone da luta contra
a violência infantil. Tanto que, na convenção do PT que antecedeu as eleições
municipais, em Goiânia, Lucélia estava lá, ao lado dos candidatos, vestida com
uma camisa do partido, festejada como "companheira" Lucélia. Mas o que Lucélia
fazia num comício?
O juiz da Infância de Goiânia, Maurício Porfírio Rosa,
mandou abrir uma sindicância para saber como e por que a menina, sob a guarda e
a responsabilidade do estado, deixou o abrigo e faltou à escola para participar
de uma reunião política. Maria das Dores Dolly, que trabalha há cinco anos no
Cevam, autora de vários projetos sociais reconhecidos e premiados, explica: "De
fato, levei Lucélia ao encontro. Foi uma mancada. A gente passou rapidamente
pela convenção. Entregaram uma camiseta a ela, e ela vestiu. Dei bobeira". O
Cevam – uma organização não-governamental sem fins lucrativos que acolhe setenta
crianças, mulheres e adolescentes vítimas de violência – é uma referência no
estado. "O mais importante agora é que temos de encontrar uma família para
Lucélia. Ela não pode mais ficar aqui. Sete meses é muito tempo. Abrigo não é
casa", completa. Lucélia, ainda assim, acredita que sua história está perto de
produzir um capítulo feliz. Em agosto, a pastora e cantora evangélica Ana Paula
Valadão, 32 anos, estrela de shows gospel, estava em Goiânia, soube do caso da
menina e pediu para conhecê-la. Com autorização da Justiça, Lucélia foi levada a
Belo Horizonte, cidade-sede da Igreja Batista da Lagoinha, fundada pelo pai de
Ana Paula. A garota voltou de lá convencida de que, finalmente, encontrara um
lar.
"Ao abraçar aquela menina eu não queria mais soltar.
Foram momentos tão preciosos para mim, tocando alguém que já sofreu tanto,
ministrando o amor de Jesus ao seu coraçãozinho. Ali, pudemos orar por ela, pois
há muito a curar em sua alma. Cremos realmente que o Senhor a libertou",
escreveu depois Ana Paula em seu blog. "Vou ter uma família", planeja Lucélia,
enquanto cantarola o Rap da Família, uma das composições musicais da
pastora Ana Paula – "Que bom é ter uma família/ família abençoada por Deus/
Papai, mamãe e filhos todos sempre unidos buscando a Deus". Em sua
passagem pela capital mineira, a menina ficou hospedada na casa de Ezenete
Rodrigues, também pastora e principal assessora da cantora gospel. "Ela disse
para mim que ia me adotar. Eu me converti em Jesus. Preciso corrigir meu gênio",
diz a garota. A promessa de adoção, ao que parece, não é tão certa assim – e nem
poderia, já que existe um longo caminho judicial antes de o processo começar.
"Se eu pudesse, adotaria todas as crianças sofridas do mundo", desconversa
Ezenete. O que então Lucélia foi fazer em uma igreja de Belo Horizonte?
QUANDO VAMOS PODER VIVER EN PAZ?????!! JANETE.
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quinta-feira, 31 de maio de 2012
DIGA NÂO A VIOLENCIA .
PAZ PARA HUMANIDADE JANETE VIEIRA
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